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A fome no Brasil é uma das facetas das desigualdades. Entrevista especial com Francisco Menezes

  • Foto do escritor: Grupoprata
    Grupoprata
  • 4 de jun. de 2018
  • 5 min de leitura

Para compreender as razões que podem fazer o Brasil retornar ao Mapa da Fome, é preciso olhar a situação do país “do ponto de vista da política”, diz o economista Francisco Menezes à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ao comentar o relatório de entidades da sociedade civil que alerta para esse risco. “O desemprego atinge um enorme contingente da população em condições de trabalhar e isto é fruto dos equívocos de políticas que não enfrentam os verdadeiros motivos de nossas dificuldades. Portanto, o risco é real”, afirma.

Menezes informa que em 2013, quando foi realizada a última pesquisa da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar - Ebia, o índice de insegurança alimentar era grave e indicava uma vulnerabilidade à fome de 3,2% da população. Entretanto, esclarece, “no caso brasileiro, o problema está na desigualdade. Não é um problema de insuficiência de oferta dos alimentos, mas de uma camada importante da população que não tem acesso à terra ou o apoio para produzir, e outra, que está nas cidades, e que não tem renda para ter o acesso garantido aos alimentos. Havia uma rede de proteção social que está sendo pouco a pouco destruída”.

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Francisco Menezes | Foto: Ibase

Francisco Menezes é graduado em Economia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ e pós-graduado em Desenvolvimento Agrícola pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Atualmente é pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase e colaborador de ActionAid. Em parceria com Silvio Porto e Cátia Grisa, é autor do livro “Abastecimento Alimentar e Compras Governamentais: um Resgate Histórico”.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Nos últimos anos o Brasil se orgulhava de ter reduzido os índices de miséria e pobreza, inclusive, em 2013, o senhor nos concedeu uma entrevista na qual pontuava que o Brasil era visto como um exemplo de êxito na aplicação de políticas públicas de combate à fome e de segurança alimentar e nutricional. Hoje, menos de uma década depois, a preocupação em relação à fome e à insegurança alimentar voltam a rondar o país. Que balanço o senhor faz em relação a essas questões, considerando as políticas que foram tomadas na direção de erradicar a miséria, a pobreza e a fome, e a situação que o país vive hoje? Quais foram os erros e acertos ao lidar com essas questões?

Francisco Menezes - De fato, o Brasil conseguiu avanços extraordinários no enfrentamento da pobreza e da fome, por meio de políticas públicas que propiciaram renda para os mais pobres, através da maior oferta de emprego, da formalização do trabalho e da elevação da renda. Destaque-se a recuperação do valor real do salário mínimo e a transferência de renda, chegando quase à totalidade das famílias mais pobres, que ativou as economias locais irradiando uma dinâmica virtuosa de mobilidade social e permitiu um maior acesso aos alimentos daqueles que antes se mostravam muito vulneráveis. Igualmente, a aplicação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, de forma muito efetiva, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar – Pnae, e outros muito inovadores, como o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e o programa de cisternas, na região do Semiárido Nordestino, tiveram impacto muito positivo naquele contexto.

E tudo isso pôde ocorrer porque se constituiu na sociedade brasileira, desde a década de 1990, a convicção de que não mais se poderia aceitar a extrema pobreza e a fome como uma fatalidade a que o país estava condenado e que deveria ser dada a necessária prioridade política à transformação da realidade. E, a partir de 2003, o governo Lulatoma estas questões como prioritárias, abrindo as portas para a implementação dessas políticas, logrando resultados apreciáveis.

O PAA foi um dos mais importantes programas de segurança e soberania alimentar e nutricional do país, enquanto política pública de compras governamentais

Assim, para compreendermos por que hoje o Brasil volta a se defrontar com o fantasma da fome e o agravamento da situação de pobreza, precisamos olhar o problema do ponto de vista da política. O país viveu um processo de golpe de Estado desde 2015, que se concretizou em 2016, comandado por uma elite absolutamente minoritária na sociedade, mas que zela de forma intransigente por seus interesses, onde não cabe preocupações com o restante da população e, menos ainda, com os mais pobres. Derivam daí todos os retrocessos que estão acontecendo.

IHU On-Line - Um relatório de entidades da sociedade civil, que foi levado à ONU, alerta sobre a possibilidade de o Brasil voltar ao Mapa da Fome. Quais são os riscos de isso acontecer?

Francisco Menezes - O Brasil voltará ao Mapa da Fome, em um prazo breve, se não forem descontinuadas medidas que vêm sendo tomadas desde o golpe que derrubou o governo eleito. Em nome do chamado Ajuste Fiscal estão sendo cometidos desatinos que nos farão amargar a perda de muitas conquistas. Não se pode admitir o congelamento das despesas primárias por 20 anos. Nem sequer o teor da reforma trabalhista, aprovada recentemente, ou da reforma da previdência, como desejam. Os mais pobres vão pagar o preço de uma crise que não produziram. O desemprego atinge um enorme contingente da população em condições de trabalhar e isto é fruto dos equívocos de políticas que não enfrentam os verdadeiros motivos de nossas dificuldades. Portanto, o risco é real.

IHU On-Line - Qual é a situação do Brasil em relação à fome hoje? Este ainda é um problema presente no país? É possível estimar que percentual da população brasileira enfrenta problemas relacionados à fome ou se alimenta de forma insuficiente?

Francisco Menezes - A fome ainda existia, embora tivesse ocorrido uma redução significativa de seu índice, quando foi realizada a última pesquisa da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar - Ebia, por parte do IBGE, em 2013. Naquele momento, o índice de insegurança alimentar grave, que indica uma vulnerabilidade à fome, foi de 3,2% da população. Este índice colocava o Brasil no patamar de países que já haviam superado esse problema. Em 2014, a ONU reconheceu que nosso país saíra do mapa da fome. Não existem dados mais recentes e é preciso que a pesquisa da Ebia seja novamente realizada. Mas não temos dúvidas, infelizmente, que aquilo que vai aparecer não será um bom resultado. Ao alerta que foi dado pelas Organizações da Sociedade Civil que monitoram o desempenho brasileiro em vistas ao cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - ODS, o atual governo respondeu que primeiro é preciso fazer o ajuste fiscal e depois tudo vai melhorar. Lembra o famoso lema adotado na época da ditadura, em que primeiro era preciso fazer crescer o bolo, para depois dividi-lo, e vimos a tragédia que resultou daí.

IHU On-Line - O Brasil é um dos principais produtores de alimento do mundo, entretanto ainda há pessoas que passam fome no país. Como compreender essa situação?

Se constituiu na sociedade brasileira, desde a década de 1990, a convicção de que não mais se poderia aceitar a extrema pobreza e a fome como uma fatalidade a que o país estava condenado

Francisco Menezes - No caso brasileiro, o problema está na desigualdade. Não é um problema de insuficiência de oferta dos alimentos, mas de uma camada importante da população que não tem acesso à terra ou o apoio para produzir, e outra, que está nas cidades, e que não tem renda para ter o acesso garantido aos alimentos. Havia uma rede de proteção social que está sendo pouco a pouco destruída. Com o agravante que cresce aceleradamente o desemprego, cai a renda dos trabalhadores, e o atual governo corta o acesso a programas como é o caso do Bolsa Família. Desde o golpe até hoje foram retiradas 1,2 milhão de famílias do programa.

 
 
 

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